domingo, 24 de abril de 2016

O LENTO ANOITECER DO NOSSO DESCONFORTO

A ilha solitária faz-me lembrar dias de infância em que me atrevia a nadar, no rio Arade, da margem até à pequena falésia de uma ilha existente perto da foz do rio Odelouca. Metia-me à água com uma prancha de cortiça que fazia vogar na minha frente até chegar à concavidade arenosa da ilha do Rosário. Isto podia começar  relativamente cedo, nos dias em que a família estava fora. Era uma aventura de rapazola e a resposta ao apelo que descrevi a propósito da ilha do Loge, em Angola. Saltar para um banco rochoso, junto da terra-areia e começar a escalada até domina o planalto da ilha, olhando repetidamente para as ruinas de uma ermida (diziam-me os velhos) e para os buracos da especulação arqueológica. É certo que, naquele tempo, alguma gente ligada à cortiça, operários e trabalhadores do cozimento das  pranchas vindas dos sobreiros.

O Mediterrâneo é um mar interior, ultimamente atravessado por milhares de jangadas de borracha e outras embarcações rudimentares. Multidões inqualificáveis, incontáveis, enchem a dobrar tais meios de transporte. As famílias sírias, entre outras, acumulam-se com os outros e a crianças mal respiram. Tudo isto por causa das guerras desencadeadas na Síria e em volta do Iraque, com maior e mais selvagem incidência pela linha terrorista auto proclamada de Estado Islâmico. Gente sem escrúpulos, no meio dessa lama e do sangue derramado, alicia e compra os que fogem, oferecendo-lhes, por elevados pagamentos, o horror das viagens sem lugar marcado e sem o mínimo serviço para tão convulsivas situações, os que tombam para o mar, os meninos que esbracejam antes dos olhos se imobilizarem, doenças súbitas, distúrbios gástricos e toda a ordem, chegadas que não acontecem, esperas dementes, os minutos do salvamento, as horas de resgate, os campos italianos e gregos, tudo improvisado e sem a avaliação de quem se refugia, de quem pede asilo mas ou menos político, de quem se diz migrante económico .
Em todo este desespero começaram, sem lei nem ordem, as fugas para o interior do continente. Marchas indizíveis, ao sol, à chuva, entre mortos e feridos, entre doentes   e velhos atados a improvisadas padiolas. 
Muitas fronteiras fecham-se, com muros ou paredes de arame farpado, obrigando a circuitos alternativos que nunca aparecem na paisagem, embora a cegueira colectiva arraste uns e outros por infinitos carreiros.

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