terça-feira, 14 de março de 2017

A DISSOLVIDA ORDEM DAS SOCIEDADES

                                                           pintura de Paula Rito


    Envelheço a pensar nos serviços prestados e no equívoco que me envolveu o espaço das ideias e dos sonhos, atrasos, pluralidade nunca reconhecida sem favores, a pobreza dos meios entre olhares de ileteracia e as pausas entre rostos esplendorosos, inúteis contudo, escorrendo, patéticos, na sexualidade mal aprendida, tendencialmente sub-cultural.
      O tempo em que se  lia Sartre ou Camus, comoventes aprendizagens do sentido existencial de tudo em volta, a despeito das sombrias horas de equívoco, a náusea ou o absurdo, polos decisivos  da nossa alma assombrosa e assombrada, perdas a sangrar nas derrocadas irremediáveis, das mortes inúteis, de um cada vez maior retrocesso do saber e do lado maravilhoso de milhões  de coisas descobertas, de obras eleitas, de cidades soberbas que o tempo e uma demência geral cada vez maior foram arruinando e desfazendo sob a cegueira de novos raivas, pela multiplicação dos deuses e das vagas criminais cujo avanço misturava finanças de suborno com produções poluentes, apesar do esforço da ciência médica  abalada pelas lamas entre lixos ou apodrecimentos  talvez invencíveis, num planeta cuja beleza e sentido vital haviam  alcançado o espanto dos povos modernos ao descobrirem que a doença dos grandes espaços era sobretudo detonada pela voracidade de uma civilização global incapaz de se entender com as escalas ou as grandezas mal desenhadas para o alongamento pacífico dessa fábula genética e dos entrosamentos futuristas da biologia sem igual nas molduras mais remotas, parecendo parte de sistemas sem falhas. 
           Inventou-se Deus para explicar tudo, numa tentativa de dar sentido ao que nos escapava e consolidar o Universo, essa infinita aparência sem dimensão racional e um quadro plausível ao nosso entendimento, solitários de biliões de lugares distantes da Terra em contagens como biliões de anos luz, toda a impossibilidade de viajar em nome de novos achamentos e relações capazes de densificarem os vazios de tais distâncias entre tudo e nada ao nível da nossa percepção do visível, num espaço capaz de conter a impossibilidade das nossas narrativas.

        Aqui me encontro sem me saber de forma razoávelmente apreensível, apesar da morte e do nada atravessado por novos nascimentos, seres à primeira vista confiáveis, abertos à paixão, e contudo submetidos em pouco tempo aos perigos do mais rasteiro dos maniqueismos ou fixando-se em novos destinos  naquela que será uma noite infundada e total.
            Penso: porquê e para quê? Olho em volta e o excesso das fraudes sufocam povos inteiros, criando oásis de maravilha, algo que parece conceder a felicidade a alguns homens  e que, após meia dúzia de séculos, se tornarão silêncio de pó e restos sem nexo. Hoje, na odiosa geminação do mundo global, a paz apaga-se na histeria das multidões e nas centenas de conflitos armados que desmembram a beleza do passado e queimam o sucesso técnico dos novos sucessos. Milhões de pessoas reduzidas à miséria e ao desespero migram entre mares e terras, após chacinas, carregando a saudade das suas origens, no apelo ilusório do lugar para ricos e à saúde dos velhos entretanto meio cegos, meio mortos, entre valores imperiais acerca dos quais me faltam palavras.

1 comentário:

  1. Também não tenho a certeza do que o futuro reserva às novas gerações, eles diferentes de nós, uns despudorados em veneração so deus dinheiro que não dá, não pode dar mais do que ilusão breve de uma felicidade qualquer, outros sem qualquer tipo de ambição, vivendo ao sabor do que a vida lhes deu sem esforço, inexperientes e crédulos, sem pensarem que é preciso luta e esforço titânico para manter os suportes de vida civilizacional que usufruem de bandeja.

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