Bem me parecia que esta civilização tem sido a fingir, rasuram por todo o lado o planeta e a história longa e laboriosamente conquistada em edificações, ciência e cultura. Assim também se encheram paisagens, a Natureza quase toda, de diversos perigos quanto à funcionalidade das coisas e seres, ou relativamente à capacidade produtiva, confundindo trocas comerciais e económicas com os mundos contrafeitos dos bancos secretos onde os ganhadores de dinheiro desviado lavam e escondem fortunas indescritíveis. Multidões desarticuladas migram entre países em convulsão e a mítica Europa das Grandes Guerras e dos prazeres culturais, entretanto repletas de viajantes ou viagens de entretenimento, sofre, sem guerra, o sobrevoo de milhares de aviões nos céus da utopia, das praias, casinos, hotéis, abrigos de montanha, um clima cada vez mais instável, calor a mais. grandes armazéns e carros de lixo, um clima cada vez cada vez mais instável, CO2 na estratosfera e na atmosfera, máscaras sobre as bocas e os narizes das caras breves das raparigas em Pequim ou Tóquio -- e assim por diante, enquanto os campos e as grandes florestas, indevidamente exploradas, se incendeiam por artes mágicas, agindo ventos e chamas sem fim, numa cadeia de desastres apocalípticos.
Portugal fazia parte de uma zona temperada da Península Ibérica, voltado para o oceano Atlântico, pelo qual viajou em lanchas e caravelas, entre lendas e achamentos deslumbrantes, deuses do mar e da terra, novos continentes, novas gentes, coisas e produções que quase souberam negociar bem, durante séculos, deixando que outros roubassem o produto e a sua notícia.
Este Portugal perdeu a monarquia, tentou abrir-se à modernidade do tempo, sobretudo no século XX, no fim de contas capturado pela ditadura e por uma guerra colonial onde o império imaginado se desfez em pouco mais de doze anos, as almas sombrias, a revolução de 25 de Abril de 74 procurando reinventar a portugalidade, provisoriamente as em plena constitucionalidade.
Tudo aconteceu com retornos e fugas, entre novas emigrações, enquanto o fogo emergia dos conflitos, dos ajustamentos, dos negócios enviesados, da própria aventura de adesão à União Europeia, regras e austeridades, uma ilusória união de gentes cada vez mais vis e egoistas, mal sabendo o que fazer com as massas de emigrantes religiosamente selvagens, da Síria, de zonas pobres e de vários países africanos, descolonizados e arrasados por ditadores impensáveis.
E enfim, de novo entre nós, a tradição do fogo rebentou outra vez com a violência dos deuses e dos seus serventes, doentes de pegar fogo, Tudo tem ardido numa floresta dita desarrumada, aliás como as nossas grades cidades, impensáveis e demenciais. Não é assim que se ordena o território e a vida, quer com este tipo de cidades, quer com os abandonos da interioridade, florestas de quase desabitadas de aldeias e de gente idosa, até às casas vazias e ao fogo politizado pela incúria
Rocha de Sousa
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